Exposição Paraíso Perdido

Paraíso perdido | Antonio Bokel

“Longo e árduo é o caminho que conduz do inferno à luz”
John Milton

Quando o inglês John Milton (1608-1674) começou a escrever “Paraíso Perdido”, em 1658, ele estava em luto. Foi um ano de muito sofrimento, marcado pela morte da segunda mulher durante o parto de sua filha. Tido como um dos maiores escritores da literatura ocidental, o livro que ele esboçava naquele momento, e que viria a ser sua obra-prima, era uma tentativa de dar sentido a um mundo em transformação. Assim como o poeta épico, o carioca Antonio Bokel também busca através de sua obra um paraíso perdido. Há anos, seu corpo e mente se uniram na tentativa de fazer coexistir o rural e o urbano que habita em sua produção artística. O resultado dessa transfusão de realidades deu origem à exposição agora em cartaz no Espaço Cultural Correios Niterói.

A dualidade disruptiva da obra de Bokel ressalta a intersecção desse conturbado território que busca habitar: as metrópoles contemporâneas, a linguagem da arte de rua, a tecnologia, a mistura, por vezes caótica, de traços e gestos que vai de encontro a referências naïf, ligadas à essência humana, às paisagens rupestres e à vida simples e autossustentável. Com a natureza colocando a existência do ser humano em cheque, Bokel reforça a união dessas duas vertentes como único meio para nossa existência ou salvação. E a arte chega a essa encruzilhada por meio do encontro de matérias, entre a cerâmica e o bronze, a madeira e a tinta, a terra e a impressão fotográfica, a transmissão de imagens por meio de inteligência artificial. A luta entre esses símbolos acontece diante de nossos olhos, seja em pinturas, esculturas, fotografias ou videoinstalações.

O artista formou-se em design gráfico pelo Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro, em 2004. Sua primeira mostra individual, no entanto, aconteceu um ano antes, em 2003, na Kenʼs Art Gallery, em Florença, Itália, país onde residiu e fez cursos de fotografia e história da arte. É desta última formação de certa forma mais clássica e romântica que surge sua pesquisa profunda e intransigente por materiais da antiguidade, como metais e gesso, e que vão em direção a outros contemporâneos, como o spray e o concreto.

Apesar da ligação com o concretismo e a geometria, as mãos que resignificam os objetos e remexem elementos buscam formas orgânicas e linhas incertas para trabalhar suas telas, que ora despertam do bidimensional para interessantes composições espaciais. É parte de seu ritual íntimo propiciar esse enfrentamento ancestral de ideias e vertentes de produção. E é por meio dele que constrói algo digno da Nova Era pela qual transitamos nós hoje. Estar em sintonia com os vários mundos que vivemos é poder regenerar, assim como a natureza o faz.

Ana Carolina Ralston
curadora

fotos Gabi Carrera