Transfiguração do Rastro
Antonio Bokel vem se destacando dentro de uma nova geração de artistas no Rio de Janeiro. A coletiva Gramática Urbana, realizada em Março desse ano, trouxe Bokel junto com outros nomes em ascensão como Joana César e Alê Souto. Em comum, o gosto pelo suporte urbano para intervenções e improvisos que reproduzem a violência expressiva e os ruídos de espontaneidade das ruas.
Em Transfiguração do Rastro, individual inaugurada há duas semanas no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Bokel divide em duas salas momentos distintos de sua trajetória de quase uma década. Na primeira, escura, composta de algumas de suas primeiras pinturas, nota-se a filiação direta com expressionismo abstrato norte americano. De Jean Michel Basquiat veio o gosto por traços fortes e cores intensas, visível na série de máscaras africanas.
Suas obras iniciais são marcadas por esse traço firme, pela influencia do grafite e a linguagem direta , integrando também textos às obras. Nelas encontramos um artista lançado à experimentação constante e à procura de uma voz própria, abertamente dialogando com suas fontes. A vivacidade de formas e cores, entretanto, não corresponde a uma integração absoluta ou passiva à atmosfera hedonista do Rio de Janeiro. Tanto no grito primal de criaturas vorazes e disformes, quanto na figuração da monstruosidade do sonho libidinal carioca pela sua colossal Globeleza, encontramos Bokel reagindo ao ethos local marcado pela artificialidade das promessas de felicidade instantânea.
Sua produção mais recente se concentrada em um espaço branco, limpo da agressividade pictórica. Nele Bokel procura o traço essencial, o mínimo e indispensável, abrindo mão da de cores e movimentos. Ainda encontramos registros textuais, mas, além de ocasionais, eles apenas complementam a afinidade harmônica do trabalho.
Menos reativo e mais afirmativo, nesses trabalhos Bokel parece dar indícios de estar encontrando um caminho próprio para além do incomodo. O cerceamento da autenticidade individual por sonhos efêmeros de consumo instantâneo ainda estão presentes, mas são figurados e domesticados por formas mais sólidas e austeras.
Bruno Garcia