Jogos atávicos: Amilcar de Castro, Antonio Bokel e Ricardo Homen
A busca pela simplicidade através do gesto, da forma e da matéria. Esta era a tríade que norteava Amilcar de Castro (1920-2002) na sua maneira de criar, sempre defendendo a liberdade de experimentação como forma de amplificar a subjetividade. Afinal, “a arte sem emoção é precária”, dizia. As linhas do mineiro seguem livres percorrendo paralelamente e de forma intuitiva a criação de uma ampla gama de artistas, entre elas as de Antonio Bokel e Ricardo Homen. Juntos e em diferentes períodos, os três ressaltam a importância da produção que envolve o genuíno, sem se esquecerem das linhas, cores e proporções.
Amilcar era diretor da escola Guinard, em Belo Horizonte, quando seu conterrâneo Ricardo Homen frequentava o espaço. A convivência com o mestre, que visitava, inclusive, o ateliê do então jovem artista, incentivou-o a aprofundar seus estudos na forma e na cor, fazendo de sua trajetória um rico e autônomo desdobramento da linguagem neoconcreta. O olhar de Homen passou a transgredir e recriar em novos ritmos, mas sempre voltando para a liberdade do simples. Tal modelo também o levou a desenvolver suas reconhecíveis pinturas-objeto. A intimidade com o corte da madeira e o trabalho com volumes fez da construção dessa vertente algo natural. É assim que as pinturas se materializam e ampliam o pensamento lúdico que engloba sua produção, tornando-as formas que se encaixam e desencaixam em uma espécie de jogo. Desenho, torna-se escultura, que transgride à pintura em um ciclo virtuoso.
A obra de Ricardo Homen conversa com a tradição da arquitetura popular e a urbanidade periférica. Neste ponto, ela toca delicadamente um dos assuntos que Antonio Bokel traz à luz em sua produção: a reflexão sobre o espaço urbano. O carioca mistura de forma instintiva o formalismo concreto e a linguagem da arte de rua, trazendo novos elementos e técnicas para telas e esculturas. Arqueólogo da cidade, encontra nas texturas e marcas da nossa civilização as referências que transpõe em suas criações. Assim como Amilcar, que transitava com autonomia por diversos gêneros artísticos, Bokel lança-se pelo desenho, pela pintura e pela escultura em um interessante jogo de ilusão de ótica. O material rígido se contrapõe à leveza do objetivo que mimetiza. A desconstrução das linhas é produzida pelo spray, que rompe a barreira entre os universos da arte contemporânea. É dessa forma que produz esse verdadeiro clash de referências, unindo o concreto ao gestual. Junto ao criador do manifesto neoconcreto, Bokel utiliza-se das formas dispostas para criar um joguete entre derivações geométricas.
O gesto, a forma e a matéria unificam-se aqui, na AM Galeria, para acompanhar três diferentes formas de criar, mas com um objetivo em comum, a de desenvolver uma linguagem tão profunda que retorna a tocar o mais atávico que temos em nós: a simplicidade.
Ana Carolina Ralston
curadora